quarta-feira, 13 de junho de 2012

Uma conversa sobre o amor, a vida e a morte


Vivemos como se nunca fôssemos morrer...
Porque a vida é bela e o morrer é triste.

Morre o velho, o novo, o sol, o dia...
Morrem alegrias e saudades,
Morrem pássaros e rios,
Morrem pessoas queridas...



Morre na gente a vida idealizada.
Nascemos mais velhos no olhar...
Falta um pedaço, falta o calor da presença viva.

Fica uma história, uma fala, um sorriso,
Um jeito de querer bem...
Amor resignado e impotente.

Somos saudade por isso
E esperança no tempo...
O adeus dói. O corpo sente. A alma chora...
Falar de morte incomoda a vida.
Todos vão saindo de fininho de si...

Minha mãe falou da morte
Quando ela veio para ficar.
Chamou no ouvido a cada um
E pediu perdão.

Aquela mulher calada na vida,
Simples em ser, romântica no sentir,
Quase nunca mostrava, em palavras, a sua expressão...
Mas, na sua adolescência, brincou com as palavras escritas
em papeis escondidos que eu li um dia...
Foi professora como eu,
Uma moça bonita e esperançosa.

Uma menina pequena e triste
que ficou sem sua mãe muito cedo...
Mostrava essa falta.
Às vezes falava dela...
Sem saber precisar a presença e a ausência
da sua mãe na sua vida de mulher.
Chorava a ida de um pedaço dela
E em tardes de Ave-Maria,
buscava recuperar a mãe na saudade...

E assim, uma pequena  sem mãe
muitas vezes se mostrou na vida.
Olhava as coisas e as compreendia...
Mas seu silêncio era o que respondia
Quando as palavras preferiam ficar guardadas sem sair.
Porque tinha medo de dizer o que não devia
E ofender nunca queria.
  
Um respeito mostrava pelas nossas escolhas...
Comida quentinha na hora certa,
Casa arrumada.
Sua amizade aos cães, plantas e flores...
Um vaso sobre a mesa, flores pelos cantos
E um fuxico no sofá.

Seu companheiro foi bem cedo também...
Ela se despediu sem se dar o direito de chorar a perda.
E a sua solidão não a revelou escancarada,
Quis ser esteio,
Cobrir o teto para o abrigo da família partida;

Continuou arrumando a vida e a casa,
Um aconchego com o sabor da comida na cozinha
E uma música para alegrar em seu corpo e no lar
a saudade do seu amor...

Um dia a vi chorando no alpendre...
Era uma tarde de saudade
E havia uma música no aparelho de som.
Sentei-me ao lado dela,
Mas palavra ela não falou...
Enxugou as lágrimas,
Guardou a saudade
E de outras coisas começamos a falar.

Um tempo depois
A morte veio chegando, querendo conversa...
Foi falando aos poucos, em muitos momentos,
Cirurgias, exames, quimioterapia e radioterapia.
Um ano, dois... cinco...
Tentativa de escapar,
Tentativa nossa de esquecer.
Um dia após o outro
Sempre era mais um dia.
Festas para comemorar a vida
Música para dançar.

Até que a desesperança veio nos exames,
Na fala médica,
No nó na garganta que amarra as palavras e a alegria,
No aquietamento dela em si mesma.

Depois se levantou do tombo pior desta vida,
Arrumou o corpo,
Chamou as amigas para compartilhar um chá e uma oração...
E presenteou-as com um vaso de flores de fuxico.

Enfeitou o lar...
Um presente aqui. Outro ali. 
Queria repartir o amor
e um pouquinho de si em tudo que passou a fazer.

Do médico querido, despediu-se,
Deixando com ele um símbolo de proteção
E o desejo de luz em seus caminhos profissionais.

A um padre solicitou
Uma bênção para ela e a família.
Casou a filha caçula,
Abençoou as alianças e o sim.
Planejou a mesa farta,
A alegria do encontro
E o momento da despedida.

Pediu música no quarto...
Quase 24 horas de música que um e outro filho trazia.
Queria dançar no céu,
Rodopiar nas nuvens!

Lembrou casos engraçados, um pouco da sua história...
Chamou os filhos. Buscou os netos...
Apenas dois jovens netos distantes, mas seu amor os trouxe em pensamento!
E a cada um e a seu tempo
um sussurro de perdão e uma declaração de amor ela deixou.

Agradeceu pela palavra dita,
Pela expressão do perdão.
Revisou seu papel de mãe...
Foi severa demais?
Falou pouco de amor?

Tudo no seu lugar... Como tinha que ser, mãezinha...!
Fez o que deu conta de fazer.
E somos agradecidos demais,
Por ser o que foi...
Você conquistou nosso respeito,
Fez-nos entender a limitação de ser no mundo.

Mostrou-se limpa, sem mágoa... pronta para ir.
Uma frase para a lápide...
E a foto escolhida do dia do seu casamento,
Revelando a mocidade a sorrir sonhadora
Com uma história por construir...

Abraçou, beijou, falou eu te amo!
Soltou-se de nossas mãos,
Fechou os olhos...
Abriu-os e pediu ao Divino pela proteção dos seus filhos e netos.

Já não pensava mais em si.
Estava solta,
Estava em paz...!
A dor a abandonou.
Ela dizia: não estou sentindo dor, minha filha...

Com suas mãos buscando as minhas,
Pensou e falou em flores de fuxico 
A enfeitar uma roupa branca
Que ela vestiria para o encontro com Deus.
Depois fechou os olhos...
E soltou suas mãos das minhas...


Acendi a vela do Santíssimo!
Um a um os filhos foram chegando sem precisar que fossem chamados. 
E a envolvemos em um círculo de silêncio e espera...
Sem choro alto,
Sem desespero...
Só com amor e silêncio doído.
E ela foi assim...

E ela ficou assim em nós...  meiga e serena,
Nos ensinando sobre o morrer e o viver.

Com seu adeus em amor,
Falou da morte...
Olhou-a nos olhos e se pôs pronta.
Sem alarde, sem chorar...
Uma fortaleza a nos ensinar a vida e a morte
No seu jeito de ter sido a nossa mãe.


Dulce Braz.
A frase escolhida por minha mãe para deixar aos que ama:
“Não chore. Morrer não é o fim. Morte é vida! Paz!...